CRÔNICA 16 - O DIA DE DIAZ (publicada na Revista Tatame 193)
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CRÔNICA 16 - O DIA DE DIAZ (publicada na Revista Tatame 193)



Seu rosto é tensão lacrada com zíper. Olhar é negro, pregado a marteladas no fundo da cara sob a sombra da testa franzida em mil degraus que levam a uma mente solitária. O nariz achatado despressuriza ódio. O queixo sempre proeminente anuncia intenção ruim, não está nem aí se vai esvaziar o lugar. Todo curvo, quase torto, mal feito. Se sorri, não é para vermos. Nick Diaz chega do inferno um dia antes de cada luta, no dia da pesagem ainda nem desfez as malas. Maconheiro, tri atleta, lutador, brigador, anti social, idolatrado, incompreensível de tão óbvio. É um cara qualquer, com erros medíocres e dilemas mundanos, um adulto em adolescência tardia,mas talentoso pra cacete. Simples assim. E vai rasgar quem o tentar segurar, vai sempre partir pra ganhar. Vai ser demais em cada segundo, exagerado em cada molécula. Vai ajudar a fortalecer o MMA se antes ele mesmo não se auto-sabotar.

Diaz é vintage, uma relíquia de tempos passados, empoeirado e raro. Um atleta que luta com o que tem no coração. Técnica, tática, estratégia estão submissas a emoção. Memória viva de um tempo tão glorioso que transformou o MMA em paixão mesmo quase sem apoio, com quase todo mundo cheio de mil razões ignorantes para torcer contra. Diaz é de uma linhagem de competidores praticamente extinta. Mais lutador que atleta, não vira a cara com medo do trauma, do rasgo, não quer ser modelo, não está no octagon com a cabeça nos dólares da campanha publicitária. Seu rosto é o escudo espartano que protege sua vontade, seu instinto primitivo de supremacia, e passo a passo vai empurrando o adversário para o desfiladeiro.

Sua carreira é instável, porque ele sempre é da mesma maneira. Seu comportamento é padronizadamente caótico. Cesar Gracie afirma não ter como realmente programar o treinamento de Nick, que precisa fazer as coisas de sua maneira ou não dá certo. Diaz sempre compete em triatlo, corre de madrugada ou faz natação, mas também sempre faz uso de entorpecente. Disciplina não é medida pela freqüência com que fazemos alguma coisa, e sim pelas vezes que a fazemos sem estar afim, por conta de um objetivo. Diaz tem disposição, preparo físico, coração, mas não tem disciplina. Esse é seu grande ponto fraco e o que faz genial. Perdeu para Condit porque se recusou a aceitar que estratégia faz parte do esporte, que andar para frente e se prontificar para a porrada é apenas a maneira mais emocionante de lutar, nem sempre a certa. E mesmo que tivesse vencido, perderia o cinturão por cair no doping pelo uso de maconha. Não importa. Seu destino não é ser campeão do UFC, é muito maior. É ser o elo perdido, o exemplo de como MMA pode ser emocionante sempre, sem ressalvas. Tática só é evolução esportiva se não matar o sentimento. Só tática sem show, vira xadrez, vira Georges St.Pierre. E é derrotá-lo é seu real objetivo nesse planeta. Desautorizar a burocracia. Desde menino problema, quase marginal que faz cara de mau até em foto de festa infantil, para campeão do WEC e STRIKEFORCE. Tudo é caminho para o dia D.

O dia vai chegar em que tudo fará sentido ou será em vão. Diaz vai brilhar ou será ofuscado pelos holofotes. Será capítulo na história do MMA ou nota de rodapé no capítulo de outro. Fará tremer sob sua sombra ou sumirá na própria escuridão. Fumar ou ser fumado por um baseado, eis a questão. Continuar tendo postura de rockstar transformando fãs em groupies, ou entender que é um ídolo sem querer e definir seu tamanho nesse esporte. Mostrar um caminho ou se perder nele. Ser grande lutador ou grandioso. Criar uma nova geração de admiradores ou ser coadjuvante da geração de St.Pierre. Passar o fim da vida trincando os dentes ou relaxar tranqüilo por tudo que conseguiu apesar de sempre ouvir que nunca ia conseguir nada. Encher um livro autobiográfico de desculpas esfarrapadas, ou completar seu destino e ironicamente sorrir, mesmo que nenhum de nós possa ver.



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