Como várias outras adolescentes, a estudante Kamille Lemos, de 17 anos, fala de seu ídolo com clara admiração. Avalia as últimas apresentações dele e, se surge alguma crítica, ela logo o defende.
Mas, no caso dela, a figura idolatrada não se trata de algum vocalista de banda de rock ou ator bonitão de talento questionável. A jovem de Santo Antônio de Pádua, interior do Rio de Janeiro, é fã mesmo de Maurício Shogun, lutador paranaense de MMA - sigla em inglês para artes marciais mistas, popularmente chamadas de vale-tudo.
A popularidade do esporte está em evidente ascenção nos últimos anos, tanto no Brasil quanto no mundo. Mas Kamille é exemplo de um público supostamente improvável. A agressividade das lutas, em que sangue e hematomas são ingredientes básicos, por vários anos teve um público quase exclusivamente masculino. Mas isso tem mudado.
Kamille passou a acompanhar o UFC (Ultimate Fighting Championship), maior campeonato de MMA do mundo, quando tinha 14 anos, após entrar nas aulas de jiu-jitsu. E no ano passado resolveu criar um blog para comentar sobre as edições recentes do evento.
"Comecei a pesquisar e ler blogs sobre MMA e percebi que nenhum era muito voltado para meninas. Então no meu tem algumas coisas que são a minha visão da luta, que é uma coisa mais feminina. Nos outros, os comentários eram muito masculinizados", afirma.
Na mesa do bar
Atentos ao gosto dos clientes, vários bares já transmitem as lutas do UFC, realizadas uma ou duas vezes por mês, aos sábados. No estado de São Paulo, gerentes desses estabelecimentos percebem com espanto a adesão feminina.
"Percebi um crescimento, nem sabia que existia essa popularidade, esse fanatismo todo pelo MMA. Inclusive mulheres, pessoas apaixonadas. E não só nas lutas principais da noite, mas você percebe elas comentando sobre os lutadores também nas lutas preliminares", afirma Kako Ferreira, dono do Maria Chuteira Bar, em Santos. Mesmo voltado para a temática do futebol, o bar passou a exibir lutas do UFC a pedido dos clientes.
Na capital paulista, o gerente Lao Aliaga, do bar Prainha Paulista, calcula que a presença de mulheres em noite de luta chegue a 30% dos clientes, porcentagem que um ano atrás ainda era bem menor. "Mas depende da luta, dos lutadores. Tem lutador que parece ter mais público feminino, como o Anderson Silva e o Lyoto Machida", conta.
O paranaense Anderson Silva é o atual campeão dos pesos médios do UFC, considerado por muitos o lutador mais habilidoso do mundo, peso a peso. Já o baiano Lyoto Machida foi campeão dos meio-pesados e angariou muitos fãs ao redor do mundo.
Segundo Lao, as mulheres não comparecem apenas para acompanhar os namorados. "Só vem quem curte", garante.
Brasília
Na capital federal, a economista Isa Braga, de 26 anos, conta que conheceu o MMA por meio do namorado. "No começo eu ficava indignada, achava muito violento. Mas fui conhecendo e vi que não é simplesmente uma pancadaria desenfreada, tem muito fair-play, muita técnica. É um esporte muito bonito" afirma.
Depois de ir em dois eventos de vale-tudo realizados em Brasília, um em março de 2010 e outro no início deste mês, ela aponta um crescimento no público feminino semelhante ao verificado no bar de São Paulo. "Da primeira vez só tinha homem. Mas neste último evento já tinha mais ou menos 30% de mulheres", diz.
Quando o grupo de amigos de Isa se reúne para assistir a alguma luta na TV, ela conta que as mulheres passaram a torcer até mais que os homens. "Antes era diferente, mas hoje em dia todo mundo acompanha e torce. A gente faz mais barulho que os homens", afirma.
Segundo a economista, o plano agora é começar a treinar MMA em aulas específicas para mulheres, já oferecidas em algumas academias brasilienses.
Campo Grande
O lutador e professor de muay thai e MMA Michel Igenho foi um dos pioneiros a levar a prática das artes marciais mistas para o Mato Grosso do Sul, há dez anos. E já por volta de 2004 ele conta que começou a oferecer aulas voltadas para mulheres. "No começo, eram só duas ou três alunas, o esporte ainda sofria muito preconceito. Hoje, o meu público-alvo são as mulheres", diz.
Segundo ele, nas aulas mistas, a presença feminina já superou a dos homens. "A cada aula vão em média 30 pessoas, umas 20 mulheres e dez homens", afirma. Igenho explica que a faixa etária das praticantes varia de 10 a 30 anos, e elas costumam procurar o esporte principalmente para condicionamento físico, controle de estresse e defesa pessoal.
Fonte: http://g1.globo.com