Fadiga em lutadores
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Fadiga em lutadores




A fadiga (e seus mecanismos) é tema científico complexo, bem debatido e ainda não totalmente esclarecido em função de estudos e resultados conflitantes em diversas pesquisas. Não é diferente quando o foco são as Lutas, Artes Marciais e Modalidades de Combate.

Um fato é praticamente certo: grande parte dos atletas de modalidades esportivas de combate vai sentir fadiga (redução reversível do desempenho físico e/ou psicológico) ou cansaço (sensação subjetiva de desgaste físico) em algum estágio de sua carreira. Dentre causas mais simplórias estão o estresse e/ou falta de sono. A presença de alguma patologia (doença) pode ser outra causa, porém, mais grave e complexa, requerendo investigação mais aprofundada.

A fadiga em lutadores, de modo geral, muitas vezes é apenas temporária, causada pelo aumento na quantidade ou intensidade de treinamento. Geralmente desaparece quando o corpo se adapta (ou ajusta) ao novo trabalho. Vale lembrar que a fadiga aguda (intensa e momentânea) ocorre durante o exercício e pode estar relacionada a diversos fatores nutricionais, tais como esgotamento de reservas energéticas, glicose sanguínea baixa (hipoglicemia) e, frequentemente, desidratação. No entanto, ela pode persistir se tornando condição crônica (de longa duração) que necessita de mais investigação. Uma adequada nutrição é muitas vezes ignorada como fator limitante ao desempenho contribuindo demasiadamente para a fadiga. Em muitos casos, uma simples mudança nos hábitos alimentares pode aumentar os níveis de energia e melhorar o desempenho dos lutadores. Nesse artigo, as informações serão pautadas principalmente sob esse contexto, ou seja, a associação de fadiga com fatores nutricionais.

Os principais sintomas relacionados a fadiga aguda e, principalmente, crônica são:

? Elevada freqüência cardíaca de repouso;
? Queda no desempenho;
? Aumento da sensação de esforço;
? Dor muscular;
? Perda de "peso" súbita;
? Perda de apetite;
? Baixa resistência às infecções;
? Distúrbios do sono;
? Depressão.

Tenho total consciência de que as atividades diárias de um atleta no alto rendimento, independentemente se é iniciante, intermediário, elite ou superelite, muitas vezes indisponibiliza mais tempo para fazer compras e preparar adequadamente os alimentos. Ausência ou baixo consumo de carnes magras, laticínios, frutas e legumes, juntamente com apreço pessoal por comidas rápidas e industrializadas (biscoito, macarrão instantâneo, etc.), pode ser mais um fator agravante à fadiga persistente, redução da imunidade e saúde em geral.

Dietas para perder "peso" costumam ser algo "natural" de atletas de modalidades de combate e o consumo inadequado ou indiscriminado de suplementos nutricionais, apesar de temporários, muitas vezes mascaram em longo prazo problemas nutricionais relevantes.

Outro fato comum, é o abuso de substâncias ricas em cafeína. Já foi abordado o tema "cafeína" em outro artigo neste Blog. Um lutador pode até utilizar alimentos que contenham cafeína para minimizar a fadiga (Ex: café, guaraná, refrigerantes, etc.), mas isso pode agravar sintomas de fadiga crônica com o prolongamento do uso. A cafeína pode interferir com os padrões naturais de sono, o que torna difícil para o atleta conseguir dormir, conduzindo ao cansaço já pela manhã, obrigando-o, assim, a utilizar mais cafeína para começar "bem" o dia.

O auxílio dos carboidratos

Carboidrato é fonte de energia primordial para o desempenho atlético. Na tabela 1 adiante, estão contidos alguns exemplos de carboidratos. Eles são armazenados como glicogênio muscular, uma espécie de "loja" de energia (ou "combustível") que deve ser constantemente recomposta. Normalmente, nas lutas, ainda mais pela cultura das divisões de categorias por peso, muitos atletas (principalmente de categorias pesadas) pensam que comem "um monte" de carboidratos, mas, na realidade, estão comendo abaixo de suas necessidades. Por exemplo, comer apenas uma refeição rica em carboidratos, como macarrão, antes da competição não significa necessariamente que está ingerindo carboidrato suficiente para atender suas necessidades. Afinal, num contexto mais amplo deverá refletir sobre sua carga de treinamento diário. Lembrando que o termo "carga" representa a combinação de intensidade (exigência do esforço), duração (tempo de estímulo) e frequência (número de sessões em dado período de tempo).


Contextualizando, a ingestão de 3-5 gramas de carboidratos por quilo de "peso" corporal é suficiente para os atletas que estão em fase de cargas mais baixas de treino, 5-7 gramas por quilo para atletas engajados em cargas moderadas-medianas e até 7-10 gramas por quilo no caso de atletas utilizando cargas grandes ou significativas. Ressaltando que essas quantidades são apenas referenciais gerais, pois esses cálculos são influenciados por outros fatores (Ex: massa corporal; faixa etária; sexo masculino ou feminino, etc.).

Baixa ingestão de carboidratos em longo prazo associada ao treinamento regular pode resultar no esgotamento progressivo das reservas de glicogênio e conduzir a um estado indesejável de fadiga crônica. Além disso, também são observados efeitos decorrentes de fadiga aguda com o aumento da carga de treino ou mesmo da intensidade do exercício, pois ambos podem requisitar em demasia os estoques de glicogênio, além do fato de o exercício de alta intensidade poder resultar em perda/diminuição de apetite. Baixos estoques de glicogênio muscular podem conduzir à diminuição de energia para treinar, especialmente em altas intensidades. O atleta muitas vezes será incapaz de completar o treino planejado.

A maioria dos atletas armazena glicogênio suficiente para 90-120 minutos de exercício, porém, comendo pouquíssimo carboidrato (como em dietas para perder "peso") pode reduzir significativamente esse período. Um lutador com reservas baixas de glicogênio muitas vezes necessita de uma redução na intensidade do treino, descanso absoluto por vários dias, além de aumento no consumo de carboidratos para restituir as reservas depletadas.

Outra coisa: muitos atletas relatam que, em dieta de baixo consumo de carboidratos, sentem-se muito fadigados e percebem nítida redução de massa muscular. Esses relatos podem ser relacionados, dentre outros fatores a: 1) Seus hábitos alimentares anteriores eram ainda piores (consumo excessivo de alimentos pouco nutritivos e/ou hipercalóricos) do que os atuais; 2) Redução de aspectos psicológicos favoráveis para as lutas. Como os carboidratos também são necessários para nutrição cerebral, as dietas pobres em carboidratos podem resultar em falta de concentração, depressão e alterações de humor.

A hora certa para consumir carboidratos

O tempo ideal para o consumo de carboidratos é muito importante para a recuperação muscular, principalmente quando ocorre a realização de mais de uma sessão de treinamento no mesmo dia. Depois da realização de exercícios de grande intensidade, os músculos não iniciam a reposição de glicogênio em alta velocidade até que algum carboidrato seja ingerido. Desse modo, a recuperação praticamente só começa após comer um lanche ou outra refeição rica em carboidratos. De 1-1,3 gramas de carboidrato por quilo de "peso" corporal na primeira hora após o término do exercício é necessário para a recuperação dessas reservas. Na realidade, pode ser considerado o "pontapé" inicial para adequada reposição. Essa informação se torna mais relevante quando há apenas de 4 a 8 horas de intervalo entre as sessões realizadas no mesmo dia.

Baixo consumo de nutrientes

Lutadores com grande massa corporal, altas cargas de treinamento ou tentando aumentar a massa muscular podem ter dificuldades para se alimentar suficientemente. A fome nem sempre é um guia ideal e preciso, pois como o exercício em alta intensidade pode diminuir o apetite, a redução na ingestão de nutrientes associada pode conduzir à fadiga.

Por outro lado, alguns atletas optam por restringir calorias, com intuito de manter "peso" corporal baixo. Nesses casos, as dietas hipocalóricas podem eventualmente conduzir à sensação constante de fadiga em função de o corpo ter de sobreviver com poucas calorias, vitaminas e minerais. O lutador pode apresentar sintomas clínicos, tais como: diminuição da imunidade, diminuição da força em razão da perda de massa muscular magra, dificuldade de manutenção do "peso" ósseo e recuperação deficiente entre as sessões de treinamento. Se estiverem engajados em dieta com pouca ingestão de calorias, ao menos tem de se preocupar em selecionar os alimentos mais nutritivos (ricos em vitaminas e minerais) e com boa capacidade de saciedade.

Fadiga e deficiência de ferro

Atletas do sexo feminino são propensas a deficiência de ferro em função da menstruação. Entretanto, lutadores de ambos os sexos estão sujeitos a lesões constantemente pelo fato de ocorrer contato corporal excessivo, podendo haver hemorragia. Medicamentos como antiinflamatórios podem causar sangramento gastrintestinal, o que também aumenta a perda de ferro. Alguns atletas mantém baixa ingestão de ferro, em particular mulheres e vegetarianos. As necessidades de ferro aumentam de 1,3 a 1,7 vezes para atletas comparados a não atletas. Dentre os principais sintomas de deficiência de ferro relacionados a fadiga estão: sensação de falta de ar, a ponto de o atleta não conseguir persistir no exercício, aumento no tempo de recuperação, diminuição da imunidade, calafrios e depressão.

Vale salientar que muitas vezes é difícil avaliar se os estoques de ferro estão baixos se baseando apenas nos resultados de testes sanguíneos. O acompanhamento de qualquer mudança nos testes, considerando algum sintoma e/ou fator de risco fornecerá melhor diagnóstico se a insuficiência de ferro é a causa da fadiga. Se confirmado, o profissional responsável pelo preparo alimentar do atleta pode alterar o cardápio para otimizar o consumo de ferro.

Papel de suplementos vitamínicos e minerais na redução da fadiga

Existe uma crença amplamente difundida de que nosso suprimento de alimentos é deficiente na maioria dos nutrientes. Entretanto, diversos estudos apontam que essas informações são infundadas. De modo geral, a fadiga relacionada à nutrição é causada por um desequilíbrio no consumo de carboidrato, proteína e gordura. Contudo, se a deficiência de uma vitamina ou mineral estiver presente, será necessário utilizar suplemento específico para corrigir essa situação. Um suplemento multivitamínico e mineral de largo espectro também pode complementar a alimentação dos lutadores que estão viajando e não podem/conseguem ingerir refeições convencionais, ou tem de limitar sua ingestão de alimentos para reduzir o "peso".

Recomendações básicas para minimizar/suprimir a fadiga causada por desequilíbrios nutricionais

1) Incluir no cardápio cereais integrais, frutas frescas, verduras, fontes de proteína magra, laticínios e gorduras saudáveis;

2) Evite dietas da moda e as que eliminam os carboidratos ou grupos alimentares inteiros (por exemplo, as que não permitem produtos lácteos);

3) Se organize para comer imediatamente ou até no máximo 30 minutos após os treinos. Sanduíches com pães integrais (light ou diet), iogurte, frutas e barras de cereais são algumas das melhores escolhas alimentares;

4) Se você é vegetariano, não pode esquecer de incluir os substitutos da carne, tais como: nozes, soja, legumes, etc;

5) Não fique obcecado em evitar qualquer coisa que contenha gordura, ou limitar seu consumo total de gordura para menos de 20 gramas por dia;

6) Verifique se você está bem hidratado. Observe sua taxa de sudorese (se pese antes e após o treino para comparar e verificar a perda de "peso") e tente chegar a um plano individualizado de hidratação. Em artigo anterior neste Blog são observadas algumas recomendações;

7) As viagens para competir "fora de casa" podem desgastá-lo se não conseguir dimensionar bem os preparativos para o trâmite. Além disso, no local de destino pode ser difícil encontrar alguns dos alimentos utilizados no dia a dia. Tente planejar antecipadamente para não faltar alguns de seus alimentos favoritos, em especial, os mais nutritivos e de fácil transporte, tais como: cereais, bebidas esportivas, suplemento alimentar líquido, frutas secas, nozes, barras de cereais e barras de proteína/carboidrato.

Leandro Paiva

Referências:

1) Kordi, R.; Maffulli, N.; Wroble, R.; Wallace, W. (Editors). Combat Sports Medicine. Springer: London, 2009;

2) Paiva, L. Pronto Pra Guerra: Preparação Física Específica para Luta e Superação. Amazonas: OMP Editora, 2009.



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