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ANÁLISE: UFC on FOX 1 - Velasquez VS Cigano
UFC on FOX foi uma carimbada firme no contrato que MMA tem com a emoção a flor da pele. A primeira luta do UFC em canal aberto nos EUA também foi a mais assistida de todos os tempos com picos de 8.8 milhões de espectadores apenas no país. O primeiro evento, a primeira luta, rápida e arisca, rasgando convenções, deixando cicatriz que o esporte deveria ter orgulho de empunhar. Uma luta antológica mais pelo que representa, do que pelo que vimos, mais importante em 1 ou 2 anos do que agora. Royce Gracie, em 1993, sozinho, franzino, com sangue no kimono, começou a erguer as fundações do que depois conheceríamos como MMA. Fedor, Sakuraba, Minotauro, Wanderlei, Anderson, Liddell, Couture e outros fizeram desse o esporte mais apaixonante já inventado. No ano em que MMA chega a maturidade,Cigano, numa porrada só, eterniza o esporte e pavimenta caminho para mais 18 anos.
Cain Velasquez VS Junior CiganoDifícil falar de um combate tão importante quando praticamente não houve luta. Tanta expectativa para alguns chutes na perna, um mata cobra, alguns socos no chão e pronto. Basicamente isso resume a disputa pelo cinturão do pesado. Apesar de Joe Rogan e outros entusiastas apontarem qualquer nocaute como grande combate, pra mim, os maiores vem de ataques e superação dos dois lados, reviravoltas e alternância de momentos emocionantes. Quando só um luta podemos curtir a vitória se for para quem torcermos, ou lamentar a derrota caso contrário. Se na prática não aconteceu nada do que eu ou Dana White esperávamos, verdade que esse nocaute veio na medida quase exata.
Ficou claro para quem acompanha a carreira de Cain Velasquez que ele estava diferente. Tavez por estar um ano parado por conta de lesão. Um lutador gélido e calculista demonstrava nervosismo descarado, despressurizando com seqüenciais pequenos assopros a tensão que lhe esmagava o esôfago. Sempre parrudo, desta vez entrou fora de forma. Os braços ainda ostentavam um excessivo percentual de gordura que atletas de ponta não devem carregar, mas com muito menos massa muscular que o seu normal. Do peito antes trabalhado, mas sem definições ou compromisso com estética, agora dependuravam-se duas papinhas de pele excedente. Atleta de alto rendimento sente as oscilações de seu corpo, costumeiramente reflexos de erros, lesões ou falhas na preparação física e programa de treinos. Velasquez não era nessa noite o mesmo que foi em tantas outras quando achamos ser um dos maiores do planeta. Modorrento, reticente, atrofiado. Um atleta que era o mundo todo entrou apenas México. Acabou dormindo, tirado para lutador de bar, caído de qualquer jeito, espatifado.
Velasquez não foi nem rascunho do lutador que nos encanta. Independente de nacionalidades, torço para o espetáculo, emoção. Adoraria vê-lo tombar e não ser empurrado para o chão. Torci por um grande combate, não por um soco, mas nada disso arranha a performance de Cigano. A luta para um atleta começa na preparação, nos dias de treinamento, na superação de problemas pessoais, dores, lesões, tristeza, desmotivação, dieta, dedicação e tantas outras coisas. Sob os holofotes e câmeras, no octagon, é apenas a cereja do bolo, a copa da árvore, um ponto no final. Interrogação para Velasquez, exclamação para Cigano. E se Cain começou a perder sua luta meses atrás, problema dele, porque Cigano vem vencendo todas desde que nasceu.
Das 14 vitórias de Junior Cigano, 10 são nocautes no primeiro round, e os dois únicos que aguentaram os três rounds até o final, Roy Nelson e Shane Carwin, foram acarinhados com a maior sova de suas vidas. Desfigurados, espancados, talvez tenham em segredo até desejado que tivesse acabado antes. Cigano é o peso pesado mais temido do planeta, não pelo que fazia, como Wanderlei, ou pelo que sempre parece poder fazer, mas nunca faz, como Frank Mir. É temido pelo que faz, luta após luta.
Cigano lutou como sempre, com o olhar reto e fundo de quem fita o horizonte através da carne do adversário. Tão certo do que vai fazer, tão confiante e preparado que parece maior do que é. Cain, Minotauro, Mir, Nelson, Carwin, Struve, Overreem, Kongo, Mitrione, Schaub e quase todos os pesos pesados do UFC são mais pesados que ele. Mesmo assim figura emblemático e imponente dentro do octagon. Um monólito. Não é dos melhores em jiu-jitsu nem especialista em wrestling. Tem um excelente boxe, movimentação e distância. Mas é a vontade com que se entrega em cada golpe, pra rachar qualquer pedaço, e entrar por qualquer fresta, e fazer estrago, devastar, derrubar o sistema, que o torna genuinamente perigoso. Luta por tudo o que ama como se não tivesse nada a perder. Com o ímpeto de quem quer alguma coisa demais, e a leveza de quem não quer nada mais.
Cigano nocauteou o invicto Velasquez e fará o mesmo com qualquer outro que confunda idiotice com coragem, e queira se meter por entre o frenesi e ódio justo de seus punhos.
Enquanto Anderson luta em Aramaico, Cigano luta em inglês com tradução simultânea. Faz o que qualquer um entende, pacifica a confusão que é a mistura de artes no MMA na porrada, fala a linguagem universal da mão na cara. Pode fazer pelo esporte o que Mike Tyson fez pelo boxe. Enquanto o esporte ainda estiver crescendo e buscando novos fãs, campeões como Cigano, que simplificam as regras do jogo, tem uma importância além do cinturão.
Quando o planeta todo estava vendo, quando não dava para ratear, quando apenas ter feito o melhor não seria suficiente, provou que sua pólvora nunca está molhada, que nunca falta sonho nos seus olhos, sangue nas veias, má intenção nos seus movimentos, entrou, farejou, largou a mão, nocauteou. Simples assim. Na circunferência do cinturão de campeão que agora carrega, cabemos todos nós dentro. Um campeão do povo, compreensível, direto, sem falsa modéstia, sem discurso decorado. No UFC on FOX Cigano não mudou nem inventou o MMA, isso é mérito de outros, mas mostrou do que esse esporte é feito.
Ben Henderson VS Clay GuidaSe iriam transmitir apenas uma luta ao vivo em rede aberta, tinha que ser essa. Se é verdade que ninguém poderia afirmar que a luta entre Cain e Cigano seria tão rápida e estéril, é fato que Ben e Guida eram garantia de qualidade o tempo todo. Uma luta emocionante, com chances de vitória para os dois, violência, técnica, surpresas, socos, joelhadas voadoras, knock downs, recuperações, finalizações justas e jogo de chão agressivo. Isso é MMA em sua forma mais completa. Se era para os espectadores de todo o mundo acabarem o evento na FOX achando que tinham visto alguma coisa fora do normal e entendido porque MMA é o esporte que mais cresce no planeta, quase nenhuma luta poderia superar essa que foi uma das 3 melhores do ano.
Ninguém mete a porrada em nome do Senhor melhor que o religioso Ben Henderson. Incrível a disposição que o ?suave? (tradução literal de seu apelido ?smooth?) tem para ser ríspido com os adversários. Sem perdão ele faz uso de seu wrestling de campeão All American, sua faixa preta de tae kwon do e marrom de jiu-jitsu para subjugar seus adversários em todas as áreas. Guida é veloz, ativo, disposto e com um preparo físico incrível, mas Ben o supera em todas as áreas. Talvez o lutador mais bem preparado fisicamente e mentalmente do esporte na atualidade. Grande e pesado para o peso leve, com um corpo esguio e sem gorduras, pulmões com gás para duas lutas por cinturão e uma calma e controle mental de monge tibetano. Muitos atletas batem em chaves mal encaixadas por entrarem em pânico, prejudicando a entrada de ar ou simplesmente achando que não dá para escapar por mais que saibam como. Henderson não perde a meta, não tem medo, não fica ofegante. Uma máquina de combate, calmo na análise das brechas e superação de dificuldades, extremamente agressivo e voraz na busca pela vitória.
Um lutador legitimamente completo, capaz de vencer qualquer adversário tanto em pé, no chão, como numa batalha por controle físico nas transições, como foi grande parte desta com Guida. Suas últimas vitórias foram domínios físicos sobre 2 dos atletas mais viris e determinados da atualidade. Jim Miller e Clay Guida que simplesmente não desistem, não param, não sentem dor ou cansaço, foram amarrotados e controlados como criaturas de uma cadeia alimentar inferior por Henderson.
Frankie Edgar terá o maior desafio para sua velocidade e audácia contra Ben, no UFC Japão, quando disputarão o cinturão dos leves. Se Edgar vencer, depois de ter vencido Penn e Maynard, seria bom que os detratores e ranhetas parassem de confundir sua falta de carisma com sua qualidade técnica, e o aceitassem como um dos maiores lutadores peso a peso do mundo. Caso Ben seja o vencedor, antecipo um reinado duradouro e com várias lutas incríveis, uma após a outra. Dê o que der, o fã sairá vencendo dessa que já é uma das lutas mais antecipadas do ano.
Clay é um vencedor da vida como nunca será no octagon. Contando sempre com seu preparo físico, carisma e complacência dos juízes que tantas vezes o permitiram debruçar sobre um adversário, sem fazer muito mais do que se defender de ataques e jogar seus cabelos na cara como arma secreta, Guida foi bem longe na carreira. De lutar em cards preliminares esquentando o ânimo do público, para lutas de meio de evento, para aberturas de evento, para ser tornar um postulante ao cinturão é mais do que poderia sonhar, se seus sonhos tivessem algum embasamento na realidade.
Vez em quando um atleta que está na organização faz tempo tem a chance de encarar alguém muito mais bem ranqueado. Nesse caso é muito mais usado como boi de piranha, degrau para esse melhor atleta do que um genuíno desafiante. Tanto que suas vitórias acabam configurando zebras. E durante anos Guida não foi zebra. Sempre perdia mesmo quando encarava um TOP 10 genuíno. Din Thomas, Tyson Griffin, Huerta, Sanchez, Florian. Todas derrotas em chances de realmente subir na organização. Sua sorte começou a mudar após a vitória inesperada sobre Raphael dos Anjos, onde um fracasso poderia acabar com um corte do evento ou volta para cards preliminares. Depois venceu um melancólico Takanori Gomi e prendeu contra a grade, com ajuda do juiz, o explosivo Anthony Pettis. Três vitórias fora do roteiro o colocaram o mais longe que chegou e chegará na carreira, a um passo da disputa pelo cinturão. Um passo pra Henderson, um duplo mortal carpado para Guida.
Clay Guida é muito importante para o MMA show pela sua disposição e entrega aos combates. Colocá-lo frente a um atleta realmente superior, é certeza de luta boa, porque será dominado, apanhará, e jamais vai se entregar. Mas se o adversário for inferior, ele colocará pra baixo e ficará se esfregando de modo constrangedor até que o bom senso nos leve a mudar de canal.
ÚLTIMO ROUND: Para quem acha que MMA nunca tinha passado ao vivo no Brasil até as transmissões recentes da Globo e RedeTV, vale lembrar que a luta entre Belfort e Liddell, no UFC 37.5 (sim, trinta e sete e meio), em 2002, foi transmitida pelo SBT.
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