Lutadores: algumas considerações sobre redução de massa corporal
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Lutadores: algumas considerações sobre redução de massa corporal



Se aproximando de mais um evento de MMA de nível internacional, ou seja, o UFC 114, retornará - como sempre - a discussão sobre a temática "perda de peso" rápida, prática comum realizada por muitos atletas de MMA e também de outras lutas. Desse modo, seguem trechos de um excelente artigo prévio sobre "perda de peso" antes das competições nas modalidades esportivas de combate. Considerações para refletir sobre essas práticas, registrar e, até mesmo, relembrar.

Leandro Paiva




Considerações sobre a redução da massa corporal antes das competições nas modalidades desportivas de luta

Autor: Bernardo Neme Ide

Resumo

As competições nas modalidades desportivas de lutas são divididas em categorias de acordo com o sexo, idade, massa corporal e no caso especial do Jiu-jitsu desportivo, a graduação do lutador também. Tal característica dessas modalidades, muitas vezes induz os atletas a procurar se encaixarem em uma determinada categoria, manipulando suas composições corporais, com a finalidade de imporem um superior nível de capacidades motoras e de massa corporal, para que assim conseqüentemente, aumentem também suas chances de vitória.

Os atletas decidem, muitas vezes por si próprios, qual seria a melhor alternativa para alcançar tal propósito. Na grande maioria dos casos a estratégia adotada é a de redução da massa corporal fazendo com que o lutador dispute na categoria inferior a que se encontra. O objetivo do trabalho foi analisar como a estratégia de redução da massa corporal pode afetar o desempenho dos atletas das modalidades desportivas de lutas. Estudamos as vantagens, desvantagens, indicações e contra indicações provenientes dessa estratégia competitiva adotada nessas modalidades.

Introdução

As competições nas modalidades desportivas de lutas são divididas em categorias de acordo com o sexo, idade, massa corporal e no caso especial do Jiu-jitsu desportivo, a graduação do lutador também. Tal particularidade dessas modalidades faz com que numa competição possa haver vários campeões, sendo respectivamente um para cada categoria em disputa.

Tal característica dessas modalidades muitas vezes induz os atletas a procurar se encaixarem em uma determinada categoria, manipulando suas composições corporais, com a finalidade de aumentarem suas capacidades motoras e especificidade morfológica, para que assim conseqüentemente, aumentem também suas chances de vitória. Para tal propósito, os atletas passam então a enfatizar em muito os aspectos da preparação física sobre a técnico-tática.

Agindo dessa forma e de acordo com suas composições corporais e características técnicas e táticas de luta, os atletas decidem, muitas vezes por si próprios, qual seria a melhor alternativa para aumentar suas chances de obter melhores resultados em determinadas condições competitivas.

Geralmente, atletas adultos optam pela mudança de categoria quando se encontram basicamente em duas situações: a) Atletas com massa corporal quase no limite inferior da categoria. b) Atletas com massa corporal quase no limite superior da categoria, com tendências a ganho da mesma e dificuldades com a manutenção e/ou perda.

Diante dessas situações, os atletas possuem as seguintes opções para efetuarem a mudança de categoria, de maneira a assegurarem e aumentarem suas performances competitivas:

1. Incremento da força relativa e absoluta através do aumento da massa muscular, associada com a diminuição ou manutenção do percentual de gordura:

Essa opção permite que o atleta possa escolher em manter-se na determinada categoria em que se encontra, ou então mudar para uma de limite de massa superior. Tal escolha dependerá em muito da sua composição corporal, da metodologia de treinamento adotada, e de um certo período de tempo para que ocorra de forma segura e previamente planejada.

Caso o atleta escolha mudar para a categoria superior, com o incremento da massa corporal, a porcentagem de gordura precisa permanecer constante ou mesmo decair, para que assim possa assegurar que o ganho foi primariamente proveniente de massa muscular.

O incremento da força relativa pode ser acompanhado por diferentes modificações na massa corporal. Às vezes ele é acompanhado por uma estabilização ou mesmo uma perda da mesma. (ZATSIORSKY, 1999). VERKHOSHANSKY (2000), afirma que esse aperfeiçoamento morfofuncional do organismo leva a uma especialização maior para a modalidade. Essa especialização morfofuncional do organismo manifesta-se como uma particularidade do aparelho neuro-muscular, que é caracterizada pela hipertrofia muscular, pelo aperfeiçoamento da regulação intra e intermuscular e pela atividade e intensificação dos processos metabólicos. ZATSIORSKY (1999), afirma ainda que os atletas não devem ser cautelosos em relação ao crescimento muscular, pois os músculos carregam a carga principal em seus movimentos esportivos.

2. Redução da massa corporal (perda de peso)

Essa opção permite apenas que o atleta possa mudar para categorias de limite de massa inferior ao qual se encontra. Tal mudança também dependerá em muito da sua composição corporal, fatores genéticos, da metodologia de treinamento adotada, e de um certo período de tempo para que ocorra de forma segura e previamente planejada. Nesse caso é recomendado que somente a porcentagem de gordura decaia, para assim assegurar que a perda será primariamente proveniente de tecido adiposo.

McARDLE; KATCH; KATCH (2003), afirmam que o valor de 5% de gordura corporal é considerado um limite inferior para que atletas de luta olímpica possam competir com segurança. Geralmente essa opção é a mais recomendada quando encontramos atletas que estão com altos percentuais de gordura. Nesses casos a redução da massa de gordura corporal poderia ser benéfica tanto no sentido do aumento da performance do atleta como também para a prevenção dos riscos específicos para a saúde da gordura corporal excessiva, mostrados no quadro abaixo.

Considerações sobre a prática de redução da massa corporal antes das competições

A prática de redução da massa corporal é uma estratégia competitiva um tanto comum entre os atletas das modalidades desportivas de luta. Muitas vezes ela é adotada por atletas que já se encontram com um ótimo percentual de gordura para a modalidade, mas que mesmo assim insistem em baixar de categoria.

Tal prática é adotada na ilusão de que estando na categoria inferior, possam enfrentar adversários com menos massa corporal, e relativamente com uma força absoluta inferior quando comparados aos da categoria superior. Dessa forma, os lutadores esperam compensar uma possível inferioridade e/ou igualdade técnico-tática diante de seus adversários, pela imposição de um superior nível das capacidades motoras de força e de massa corporal.

Entretanto os atletas parecem apenas avaliar e pensar somente nos aspectos positivos que essa estratégia possa trazer, sendo que na realidade podemos constatar muito mais desvantagens e contra indicações, do que vantagens associadas a essa estratégia competitiva.

As lutas desportivas são modalidades extremamente complexas. A performance geral envolve capacidades e habilidades físicas como a velocidade, força explosiva, resistência de força, reatividade neuro-muscular, coordenações grossa e fina, força máxima e equilíbrio.

Podemos considerar que todas as capacidades e habilidades atuam de maneiras conjuntas, influenciadas diretamente pelo estado emocional e preparação psicológica do atleta, e em prol somente da execução dos movimentos que compõe a técnica das lutas.

Os componentes técnico e tático representam os principais fatores determinantes da performance, e assim sendo, podemos concluir que o resultado final competitivo nunca pode ser atribuído a uma variável apenas, mas sim ao conjunto de todas agindo em harmonia.

ZATSIORSKY (1999), afirma que a redução de massa pode ser uma estratégia aceitável quando empregada de forma adequada (a perda não deve ser maior do que 1Kg por semana em atletas "médios" e de 2,5Kg por semana em atletas de elite). No entanto, os relatos e experiências no trazem casos onde na maioria das vezes, a estratégia é aplicada praticamente às vésperas da competição (uma ou duas semanas antes da competição, até a véspera da mesma), podendo ser extremamente prejudicial tanto para a performance como que para a saúde do atleta também.

FRANCHINI (2001), afirma que o grande problema é que a redução da massa corporal é feita pela combinação de restrição alimentar e perda de líquidos corporais por meio da realização de exercícios em um ambiente quente ou vestindo roupas de borracha / plástico. Outros dois recursos também muito utilizados são os diuréticos e os laxantes, que podem ocasionar problemas renais e irritação da mucosa intestinal, respectivamente (NEVES, 1996 APUD FRANCHINI, 2001).

KININGHAM R. B.;GORENFLOD.W, (2001), estudaram os métodos utilizados por lutadores de wrestler, nas escolas de segundo grau do estado de Michigan, nos Estados Unidos. A pesquisa foi realizada em 161 escolas num total de 441 existentes no estado e analisou um total de 2532 atletas.

Eles constataram, através de relatos e pesquisas, que um em cada quatro atletas restringe a ingestão calórica com freqüência de 3 a 4 dias na semana. 2 % dos entrevistados relataram ingerir pílulas para dieta, diuréticos, laxantes e induzirem vômitos semanalmente.

A pesquisa indicou também que ao contrário do que se pensava anteriormente, a prática é comum a todos os níveis competitivos, sem se restringir apenas a um pequeno número de atletas de elite. Relatou também o caso de três wrestlers colegiais norte americanos que, no ano de 1997, morreram utilizando técnicas de rápida perda de massa antes de uma competição.

A redução rápida de peso em menos de uma semana é a mais prejudicial ao organismo, pois ocorre principalmente pela desidratação, enquanto dietas mais prolongadas obtêm o resultado por meio de diminuição da ingestão calórica, fazendo que o atleta consuma menos energia do que gasta, mas mantenha-se hidratado (FOGELHOLM ET AL., 1993; FOGELHOLM, 1994 APUD FRANCHINI, 2001).

Quando a redução é realizada de forma brusca, geralmente ocorre: a) Redução de força muscular. b) Declínio no tempo de desempenho. c) Menor volume plasmático e sanguíneo. d) Redução na eficiência do miocárdio. e) Diminuição do consumo máximo de oxigênio (especialmente com restrição calórica). f) Enfraquecimento do processo termorregulador. g) Diminuição do fluido de sangue renal e no volume de líquidos sendo filtrados pelo rim. h) Depleção dos estoques de glicogênio no fígado. i) Aumento no total de eletrólitos sendo perdidos pelo corpo. Caracterizando-se como uma estratégia extremamente desvantajosa tanto para a performance, como que para a saúde dos atletas também. (SOUZA, 1989 apud FRANCHINI, 2001).

TAKASHI U. et al (2004), em estudos sobre as enzimas musculares, observou que em judocas, a redução da ingestão calórica, associada aos intensos exercícios de treinamento antes da competição principal, ocasionou também prejuízos à potência anaeróbia e elevação da concentração sanguínea da enzima creatina kinase. Tal fato levaria também ao enfraquecimento das funções musculares e a um aumento da suscetibilidade do tecido muscular às lesões.

Além de todas as desvantagens fisiológicas que a estratégia proporciona, podemos destacar mais um agravante ainda que seria a preocupação do atleta com a pesagem antes das lutas.

Geralmente, os lutadores que reduzem a massa às vésperas da competição nunca estão totalmente certos se estarão dentro da categoria ou não no momento da pesagem. Uma vez escritos em suas categorias, se extrapolarem os limites de massa dessa, estarão automaticamente desclassificados da competição.

Tal preocupação desfocaliza grande parte da concentração do atleta para o momento da pesagem, fazendo com que ele se concentre totalmente somente após esse momento.

Conclusões

A redução de massa corporal deve ser utilizada apenas em casos onde são encontrados altos índices de gordura corporal.

Mesmo assim ela deve ser estudada e planejada cuidadosamente pelos técnicos e preparadores físicos, de maneira a preservar a integridade física do atleta, garantindo sua saúde e melhora da performance competitiva.

A redução extrema da massa corporal em períodos curtos de tempo é insegura e pode ser muito prejudicial à performance dos lutadores na competição.

O ideal seria que os atletas competissem na categoria em que se encontram, preocupando-se mais em elevar seus níveis técnico-táticos, ao invés de somente se preocuparem com as capacidades físicas.

A melhor alternativa para a perda de massa corporal seria o incremento da força relativa através do ganho de massa muscular.

Métodos como o uso de vestimentas de borracha e/ou plástico, uso de diuréticos e restrição de líquidos devem ser extremamente desencorajados pelos técnicos e preparadores responsáveis.

Referência: Revista Digital EFdeportes, Año 10 - N° 75 - Agosto de 2004.


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