O colega Raphael Benassi publicou um artigo recente sobre algumas evidências observadas por meio de suas avaliações realizadas com atletas de Jiu-Jítsu. Agradecemos pela gentileza de enviar o artigo, no qual divulgamos neste Blog as partes principais para os interessados.
Leandro Paiva
Título: Características morfo-funcionais de crianças e adolescentes, atletas de jiu-jitsu
Autores: Prof. Raphael Benassi & Prof. Dr. Alexandre Herculano Borges de Araújo
Fonte: http://www.efdeportes.com
IntroduçãoO Jiu-Jitsu é uma luta de origem japonesa cujo objetivo é, após projetar o adversário ao solo, dominá-lo utilizando técnicas de imobilização, posições de estrangulamentos ou chaves articulares. As técnicas de estrangulamento e de chave articular, quando efetivamente aplicadas, tendem a fazer com que o adversário desista do combate, sinalizando com a batida no solo. Nessa modalidade todos os atletas são subdivididos de acordo com sua graduação técnica (faixas) e sua massa corporal. Um dos princípios do Jiu-Jitsu está na utilização de movimentos que constituem alavancas mecânicas, possibilitado que um indivíduo que possua menor nível de força muscular possa derrotar um adversário com níveis mais altos dessa qualidade física, porém que detenha menores níveis de habilidade nas execuções das técnicas (FRANCHINI, E.; TAKITO, M. Y.; PEREIRA, J. N. C, 2003).
Apesar do grande sucesso desta arte marcial, poucos estudos foram publicados sobre essa modalidade esportiva (DUBAS et al., 2002; GULAK et al., 2003; MOREIRA et al., 2001; MOREIRA et al., 2003; SILVA et al., 2003). Tendo em vista tal escassez científica, muitos questionamentos são apresentados, entre eles qual o perfil morfo-funcional de atletas em idade escolar, praticantes dessa modalidade?
Sendo assim, o objetivo geral deste estudo foi o de identificar características morfológicas e de aptidão física de praticantes de Jiu-Jitsu. Especificamente o estudo investigou as medidas antropométricas básicas, como estatura, massa, composição corporal e maturação sexual e os padrões de aptidão cardiorrespiratória e de aptidão neuromuscular, em praticantes de Jiu-Jitsu com idade entre oito e dezoito anos.
Materiais e métodosEste estudo foi realizado com o delineamento descritivo, que objetiva descrever uma determinada situação em uma determinada circunstância (THOMAS & NELSON, 2002).
A amostra foi composta por 52, com idades compreendendo entre 10 e 17 anos, estudantes saudáveis, do sexo masculino, pertencentes à rede pública municipal, estadual e privada de ensino do município do Rio de Janeiro, moradores do bairro de Campo Grande, regularmente inscritos e ativos no programa de iniciação esportiva da modalidade Jiu-Jitsu, desenvolvido em um centro esportivo municipal localizado no referido bairro.
Para avaliação da massa corporal e estatura da amostra, foram utilizados uma balança clínica eletrônica, com precisão de 0,1Kg (Filizola®, Brasil) e um estadiômetro portátil, modelo personal portátil (Sanny®, Brasil) com capacidade máxima de 204 centímetros e variação de 0,5cm.
Para mensuração do nível de aptidão cardiorrespiratória (Vo2máx), foi utilizando um cardiofreqüencímetro modelo M52 (Polar Oi®, Finlândia), utilizando o recurso Polar Ownindex® que realiza este tipo de teste sem a necessidade de esforços físicos.
Para a avaliação da Força de Preensão Manual foi utilizado um dinamômetro hidráulico manual, marca JAMAR® (Asimow Engineering®, EUA)
Para avaliação da potência de membros inferiores foi utilizada uma trena com precisão de 0,1cm (3M®, Brasil), em uma pista construída no solo com fita adesiva (3M®, Brasil), compreendendo uma área livre de três metros de comprimento.
Como critérios de inclusão no estudo ficou determinado que os participantes não pudessem estar praticando nenhuma outra atividade física sistemática além do Jiu-Jitsu, que deveriam estar em estado ativo na referida atividade por um período mínimo de vinte e quatro semanas, participando normalmente do programa de prática esportiva no referido complexo esportivo, independente de sua graduação técnica.
Análise e discussão dos resultadosNas análises indiretas do consumo máximo de oxigênio (Vo2máx), os sujeitos apresentaram score médio de 39,5±3,7 ml/kg/min-1. Em relação ao teste de potência de membros inferiores e força de preensão manual, os scores alcançados foram de 1,9±0,4m e 35,4±14,0 Kg/f, respectivamente.
O IMC apresenta em crianças e adolescentes significativas variações relacionadas à faixa etária e maturidade sexual. Esta variável tem sido utilizada com frequência como instrumento indicador de obesidade nesses grupos (HIMES & DIETZ, 1994), apresentando significativas correlações com medidas das dobras cutâneas e densitometrias gerais neste grupo etário (REVICKI & ISRAEL, 1986).
Como o Jiu-Jitsu é subdividido em categorias de massa corporal (kg), a estimativa da composição corporal de atletas representada pelo IMC, permite analisar a possibilidade de um atleta reduzir seu peso corporal objetivando competir em uma categoria abaixo da sua, que engloba sujeitos com menores níveis de massa corporal, evitando a ocorrência de significativa diminuição de massa muscular e/ou desidratação, sabendo que uma baixa quantidade de gordura corporal é recomendada na maioria das modalidades esportivas (FRANCHINI et al, 1997).
Em relação às variáveis antropométricas, os dados aqui apresentados assemelham-se significativamente com estudo realizado por Franchini, Takito & Kiss (2000), que analisaram as variáveis antropométricas de oito Judocas treinados, com média de idade de 15,6±1,0 anos, massa corporal de 64,0±5,6kg e estatura de 1,7±0,5m. Percebe-se que nos dois estudos as estaturas dos sujeitos avaliados apresentam-se semelhantes em relação ao desvio padrão, o que pode ser explicado tendo em vista a proximidade das faixas etárias abordadas.
Em relação ao IMC, Franchini, Takito & Kiss (2000) encontraram valores de 21,38 ± 2,3 kg/m2 no grupo avaliado. Já Benavent, Carqués e Carratalá (2003), em estudo realizado com trinta e nove atletas do sexo masculino, pertencentes à Seleção Espanhola de Judô, encontraram valores de IMC de 20,88±3,12 kg/m2 para a categoria infantil e 23,42±3,51 kg/m2 na categoria juvenil. Percebe-se que, quando comparado ao nosso estudo, esta variável apresenta uma correlação entre os três estudos, fato explicável pela homogeneidade dos grupos e o esporte abordado.
O consumo máximo de oxigênio ou potência aeróbia máxima (VO2máx), representa a maior quantidade de ATP que um indivíduo pode ressintetizar de forma aeróbica, definido como a velocidade em que o oxigênio é consumido (DANTAS, 2003). Pollock & Willmore (1993) demonstram a existência de diversos métodos classificados como diretos e indiretos, que objetivam mensurar essa variável funcional, na maioria deles exigindo a realização de esforços físicos em seus testes. O método direto (Ergoespirometria) determina o VO2máx de um indivíduo através de coleta dos gases inspirados e expirados (troca gasosa) durante um exercício com alta intensidade e duração. Os métodos indiretos utilizam equações matemáticas, ou também testes físicos, que estimam o VO2máx a partir de outras variáveis fisiológicas como a freqüência cardíaca (FC), medidas antropométricas como massa corporal e estatura, e/ou dados do rendimento no exercício, como a distância máxima percorrida, o tempo de resistência à um esforço, a freqüência de movimentos, geralmente obtidos em esforços submáximos.
Atualmente, um sujeito, para ser considerado ?treinado?, deve apresentar um valor mínimo de Vo2máx de 40ml/kg/min-1, ou valores superiores a este (LEITE, 2000). O resultado obtido em nosso estudo demonstra que mesmo sabendo que a faixa etária aqui abordada é, de forma relativa, considerada baixa, o nível de condicionamento apresentado nesta variável foi muito satisfatório, o que levou à classificação de treinados, atingindo score médio de 39,5±3,7 ml/kg/min-1. Vale ressaltar que os valores de VO2máx tendem a aumentar de acordo com o crescimento e desenvolvimento físico em crianças e adolescentes, assim como a potência aeróbica relativa tende a decrescer com o aumento da massa corporal (MACHADO; GUGLIELMO & DENADAI, 2002). Os atletas de judô, pertencentes às categorias meio pesado e pesado apresentam scores de VO2máx relativo abaixo dos valores de atletas de outras categorias (FRANCHINI, 2001).
Segundo Franchini (1999), alguns estudos foram realizados objetivando identificar os níveis de potência aeróbia de atletas competidores de Judô. A partir da análise destes estudos o autor conclui que mesmo sendo a capacidade aeróbia importante para esta arte marcial, a mesma não exige valores muito elevados de VO2máx. (65 ml/kg/min-1 para homens e 55 ml/kg/min-1 para mulheres), o que não indica que valores superiores aos identificados possam trazer algum tipo de vantagem durante uma luta.
Mesmo sendo o método empregado para a avaliação cardiorrespiratória neste estudo ainda não ser amplamente utilizado ou conhecido, o que pode gerar críticas no meio científico, deve ser ressaltado que o Ownindex Polar® foi testato e validado em estudos recentes (CROUTER; ALBRIGHT & BASSETT, 2004; CRUMPTON et al, 2003), que mostraram suas vantagens na rapidez na sua execução, na segurança e também pelo dato de não ser necessário expor o avaliado a um esforço físico ao qual não está habituado, sendo este aspecto um fator determinante nos resultados do teste (GODOY E BARROSO, 1999). Porém, para uma perfeita execução deste teste, é necessário que ao inserir os dados no instrumento (monitor), o avaliador estime de maneira mais precisa possível a classificação do avaliado em relação ao seu estado atual do nível de atividade física (GODOY E BARROSO, 1999).
O teste de impulsão horizontal objetiva mensurar, de forma indireta, a máxima potência muscular desenvolvida pelos membros inferiores. Neste estudo os dados apresentados (1,9±0,4m) comprovam que o grupo avaliado apresentou bons resultados nesta variável, obtendo um desempenho superior quando comparado aos dados apresentados por De Preux e Guerra (2006), que avaliaram trinta e cinco atletas de judô, do sexo masculino, pertencentes a equipe do Unileste (MG), com idades compreendendo a zona entre sete e treze anos, que apresentaram valores médios de 1,5±0,25m na impulsão horizontal, ressaltando que não foram encontradas na literatura maiores abordagens sobre este tipo de avaliação funcional aplicadas em esportes de combate. Tel diferença apresentada pode ser explicada pelo fato de que a faixa etária avaliada no estudo apresentado por De Preux e Guerra (2006) é relativamente menor do que a amostra avaliada em nosso estudo.
O termo ?força muscular? é normalmente utilizado para descrever a capacidade da fibra muscular em exercer uma tensão decorrente de uma necessidade funcional. Tal valência pode ser classificada de três formas de acordo com sua manifestação: força isométrica, força isotônica e força isocinética (FLECK & KRAEMER, 1999).
Nos movimentos aplicados no Jiu-Jitsu, que utiliza-se de valências físicas como resistência muscular localizada (RML), flexibilidade, etc, a qualidade física ?força? se mostra de suma importância para o melhor rendimento físico de seus praticantes, principalmente a força de preensão manual aplicada em lutas que exigem maior contato entre os atletas (FRANCHINI, 1999).
Sabendo que esta característica funcional pressupõe o nível de força total que um corpo pode apresentar (BALOGUM et al, 1991; DURDWARD et al, 2001; NAPIER, 1983; TERAOKA, 1979), além de ser um importante instrumento de avaliação do estado nutricional de um indivíduo (KLIDJIAN et al, 1980; FIGUEIREDO et al, 2000).
Esta manifestação funcional neuromuscular é uma medida relacionada à força isométrica, que é caracterizada pelo emprego de uma força máxima sobre um objeto, fazendo com que um músculo realize uma contração, permanecendo tensionado por um curto período de tempo (SCHLUSSEL et al, 2008).
Há anos vários instrumentos de avaliação da força foram projetados e construídos, sejam eles de construções simples (equipamentos de pressão sanguínea), ou que apresentam maior complexidade (sistemas informatizados). Bechtol (1954) projetou, desenvolveu e construiu um equipamento altamente eficiente para mensuração da força de preensão manual, o dinamômetro manual JAMAR®, que é, atualmente, recomendado pela Associação Americana de Terapeutas de Mão (ASHT) para avaliação desta variável, sendo o dinamômetro JAMAR® considerado, segundo Mathiovetz et al (1984), o instrumento mais confiável para uso em avaliações deste tipo.
Neste estudo, os resultados apresentados para a força de preensão manual foram 35,4±14,0 Kg/f, semelhantes, considerando o desvio padrão apresentado, ao estudo realizado por Franchini, Takito e Pereira (2003), que avaliaram atletas-competidores de Jiu-Jitsu, com 25±5,8 anos de idade, 175,2 ± 6,4 cm de estatura, 76,7±11,2kg de massa corporal, e 42±25,2 meses de prática de Jiu-Jitsu, apresentando média de 47,3±6,7kg/f nesta variável, valendo ressaltar que, segundo a literatura, os valores de tal valência se mostram diretamente proporcionais em crescimento de acordo com idade até os trinta e dois anos, onde apresentam um declínio após este teto (limite) etário (DURDWARD et al, 2001). Em estudo similar, apresentado por Franchini, Takito & Kiss (2000), que avaliaram atletas de Judô, as médias de 38,3±6 kg/f de força de preensão manual foram encontradas em fase pré-competitiva (preparatória), o que corrobora com os dados apresentados em nosso estudo, mostrando a grande equivalência de valores médios entre os grupos avaliados em ambos os estudos, tendo em vista o desvio padrão apresentado em ambos.
Segundo Roemmich & Sinning (1996), que apresentaram um estudo realizado com atletas adolescentes de Luta Olímpica, afirmam que os níveis de força de preensão manual não apresentaram mudanças significativas nas fases inicial, média e final do período competitivo, o que não foi observado por Franchini, Takito & Kiss (2000), que avaliaram atletas de Judô em plena adolescência, que mostraram que os níveis de força de preensão manual apresentaram um crescimento com o decorrer das fases de treinamento, o que pode ser justificado pelo fato de que no Judô, assim como no Jiu-Jitsu, os atletas realizam constantes picos de contração isométrica através das variadas pegadas realizadas nos quimonos dos adversários, o que não ocorre com tanta constância na Luta Olímpica, onde os atletas realizam movimentos de preensão manual na superfície dérmica do adversário, o que tende a dificultar significativamente uma constante preensão isométrica em cada movimento (FRANCHINI, TAKITO & KISS, 2000).
ConclusãoEm função da escassez de referenciais bibliográficos, os resultados apresentados em nosso estudo contribuem significativamente para uma melhor compreensão desta arte marcial, de forma que treinadores e profissionais da área de educação física devidamente capacitados possam utilizar estes dados como valores de referência para avaliações a serem realizadas com seus atletas dentro da faixa etária abordada, proporcionando identificar o nível atlético que os mesmos apresentam em um determinado momento, objetivando assim o desenvolvimento de planejamentos físicos, técnicos e treinamentos específicos mais eficazes para este público.
Cabe ressaltar que o fato de o índice de massa corporal (IMC) do grupo avaliado apresentar valores pouco acima da classificação ?normal?, o que poderia indicar um fator de risco para a saúde (obesidade), é explicável pela grande presença de massa muscular em atletas praticantes de Jiu-Jitsu, o que acarreta em um aumento significativo da relação entre massa corporal total e estatura, ocasionando assim, valores de IMC acima do padrão.
Recomendamos que futuros estudos a serem realizados nesta modalidade, abrangendo mais sujeitos, gênero e faixas-etárias variadas, abordando dados antropométricos como somatotipo, composição corporal e circunferências segmentares possam ser realizados, objetivando apresentar uma maior gama de informações sobre esta arte marcial.
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