ANÁLISE: UFC 132 - Cruz VS Faber
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ANÁLISE: UFC 132 - Cruz VS Faber



Ao fim de uma partida de futebol temos dois tipos de torcedor, o triste e o feliz. Essa simplicidade binária não acontece no MMA, esse esporte nos entope coração a baixo tristeza e alegria juntas, e que se dane. Glória e decepção, aplausos e vaias, ao mesmo tempo, aqui dentro de nós. É essa sensação complicada de descrever que o faz único. Grandes eventos são como mini epopéias, com heróis, vilões, fins e recomeços. Se quiséssemos mostrar para alguém que estava morando em Marte nos últimos 20 anos porque esse é o maior esporte já inventado, poderíamos selecionar vários eventos inesquecíveis e esse UFC 132 é um deles.

Dominick Cruz VS Urijah Faber

Faber foi um dos maiores atletas do mundo, independente de esporte. Rolou ladeira abaixo do peso pena esmagando quase todos que tentavam parar o giro de sua massa sólida de socos, quedas, voracidade e gametas masculinos, até que se espatifou em mil pedaços contra a canela de titânio de José Aldo. O superstar brasileiro mostrou que Faber tinha se tornado obsoleto e prepotente, dominava o peso que ainda carecia de um campeão genuíno, e não seria o californiano.

Faber rompeu a cápsula de isolamento aonde boiou durante os últimos anos e reinventou seu treino e corpo para o peso galo. Misteriosamente manteve força e ganhou velocidade. Na guerra por supremacia eterna entre lógica e sentimento que já estourou tantos morteiros dentro dele e arrasou tanto adversários quanto o próprio, o cérebro agora foi promovido a general. O coração veste a armadura e encara o que vier, mas não dá mais comandos. Faber entrou contra Cruz em seu melhor momento. Anteviu movimentos improváveis e por vezes foi mais rápido que a velocidade do som. Fez seu máximo e foi emocionante, mas apenas o suficiente para dar trabalho ao incompreensível Dominick Cruz.

Forço a memória e não lembro de ter assistido nenhuma luta ruim no peso galo. Atletas completos, bons em pé, por baixo, em quedas. Parece que todo mundo é mestre em tudo. Num peso aonde os competidores não tem como ser mais completos e cada vitória vem ao custo de muito suor, sangue ou a pontinha de um nariz na foto da linha de chegada, Cruz parece acabar a corrida antes do cérebro dos outros assimilar que o tímpano vibrou por conta do tiro de largada.

Cruz não se move como um humano normal. De terno em coletivas de imprensa, até nos engana, mas dentro do octagon, quando o instinto de sobrevivência é ativado o disfarce fica mais evidente. Atletas normais caminham, Cruz cai, cambaleia, dá passo atrás, inclina pra frente, pula e dá um soco que eu poderia jurar ser uma tentativa de queda. Quanto mais o adversário estuda as fitas de suas lutas e seus movimentos mais complicado fica, luta após luta, mais e mais variações, combinações improváveis, movimentos híbridos sem um contra ataque específico em nenhuma arte inventada desde a pré história. Cruz é a gaveta feita pra não abrir, pedra que voa, água que não molha. Ilógico e indecifrável. Se não fosse campeão seria apenas um excêntrico, mas sendo imbatível, é genial.

Luta muito parelha de um homem que forjou sua carreira com esforço, perseverança, trabalho e soldou com paixão, contra um inumano que, aparentemente sem esforço e com sorriso nos lábios, é naturalmente melhor que todos os outros.

Wanderlei Silva VS Chris Leben

Wanderlei vinha bradando o que faria quando encarasse Sonnen ou Belfort uma semana antes da luta contra Leben. Subestimar um adversário normalmente é conta paga em pedaços de dente e Wand pagou a sua em células nervosas, porque ninguém é impactado pelas luvas cheia de concreto do havaiano sem sofrer moderado dano cerebral.

Wanderlei está longe de seu auge, só quem começou a assistir MMA 5 anos atrás não sabe disso, mas parte da imprensa especializada afirmar que ele vem sendo sucessivamente nocauteado. Simplesmente não é verdade. Nos últimos 4 anos foi nocauteado 3 vezes. Por Dan Handerson, atual campeão do Strikeforce, ainda no auge em 2007, por Quinton Jackson em 2008, atual contender número 1 ao cinturão do peso mais disputado do UFC, e agora por Leben. Nesse ínterim protagonizou umas das lutas do século contra Chuck, perdeu numa decisão polêmica para o ainda excelente Franklyn e venceu Bisping e Jardine. Wanderlei já não é mais o mesmo, mas imprensa e fãs poderiam esperar um pouco antes de o empalharem e colocarem na prateleira.

Não afirmo que ele dará a volta por cima e essas tralhas despretensiosas de auto ajuda. Sua mente não é mais a mesma, seu instinto de trucidar não é mais o mesmo e, principalmente, seu corpo não é mais o mesmo. Francamente acho que merece optar por parar ou lutar mais uma vez e receber nossos aplausos, por tudo que já fez pelo esporte, em qualquer situação. Não sei contra quem deveria lutar, se optasse por isso. Um dos maiores deve cair contra os maiores, e quanto mais jovem e talentoso seu adversário menor a chance de uma gloriosa volta por cima. Um dilema que ele terá que resolver sozinho no tatame da academia, no treino, porque se a decisão for tomada num jantar cordial de família, o resultado no octagon vai ser o mesmo de hoje.

A clareza e sinceridade com que Leben encara seu papel coadjuvante no grande show do MMA o faz um personagem muito interessante. Só o que ele tem é um soco forte e uma cabeça bem dura, mas como MacGayver que transformava cabo de aço e chiclete em dinamite, Leben manufatura lutas altamente competitivas.

Luta rápida entre um atleta que ainda tem queixo para agüentar porradas e agüentou, e um que não pode levar mais nenhuma e levou. Só não vamos fatiar a realidade e achar que nunca foi realmente bom já que perdeu pra Leben. O americano fez bem o que foi pago para fazer, mas seria depenado e destroçado feito uma codorna por Wanderlei Silva no auge.

Tito Ortiz VS Ryan Bader

Eu não torço por atletas em específico, torço por boas lutas e confesso que queria ver Ortiz vencer essa. Não por ele, mas por mim. Ortiz é pedaço do que me fez amar MMA, como são Hughes, Minotauro, Wanderlei, Sakuraba, Fedor e etc. Peça que não pode faltar para o mistério ser desvendado. Quando jovem sempre torcia para ele perder, era o vilão dos combates, o bad boy, mas há um certo carinho por esses personagens em grandes histórias. Darth Vader, Coringa, Lex Luthor. Não haveria grandes heróis sem grandes vilões e Tito foi um dos primeiros antagonistas. O tempo passou, o esporte evoluiu em preparação física, mídia e etc. Os novos fãs trazem um desejo sedento por mais e mais lutas e canibalizam o passado para criar lendas instantâneas. Quando Cro Cop perde para Kongo, Fedor perde para Werdum, Minotauro perde para Mir, Wanderlei perde para Leben, tanta gente aponta o dedo como que descobrindo uma fraude nos livros de história. Uma lógica distorcida e ingrata que desmorona toda a beleza do nosso esporte com cuteladas de ignorância. Se Cro Cop perde para o limitado Kongo, então não foi nada demais a vitória por arm lock de Minotauro sobre o croata no Pride, coberto por aplausos de quase 100 mil pessoas? É uma teoria caótica de canibalização de mérito que deveria parar pelo bem de todos, mas parece estar na moda. Cro Cop, durante o período em que esteve no auge, foi o maior striker peso pesado que já andou pela terra, Minotauro foi o maior lutador de jiu-jitsu peso pesado que MMA já produziu e assim por diante. Ortiz não foi o maior em nada e ainda está decadente, mesmo assim foi mais do que suficiente para derrotar o TOP 10 moderno Ryan Bader.

Dana queria cortar Ortiz após sua derrota para Hamill alegando que não teria mais nível para competir com os melhores. Tito implorou por uma chance e encararia qualquer top do peso. Poderia ser sua última luta, o portão de desembarque estava logo ali, mas esses caras das antigas, esses que fazem parte da criação desse tal MMA, são feitos de outro material. Foram cunhados numa época mais violenta, menos asséptica. Não havia a mídia de hoje para nos convencer que um lutador é bom ou ruim, ou ganhava e seguia em frente ou era esquecido. Era uma terra cruel na qual caminharam os maiores. Tito optou pelo tudo ou nada, pelo êxtase máximo de superar todos os limites ou a cara na lona. Teve a coragem que Couture teve, que Fedor está tendo. Meio coragem, meio loucura, meio cara de pau. Quem sabe. A questão é que nesse UFC 132 Ortiz lutou pelo MMA clássico, sua vitória significou tanto pra ele e tão mais para o fã antigo. Bader é um dos melhores do mundo, não venham os chatos dizerem o oposto, e mesmo assim Tito o venceu. Poderia se aposentar agora, rico, dando entrevistas debochadas e acarinhado por aplausos e manto da glória. Mas não irá, como Couture não pararia se vencesse, como Wanderlei não quer parar e como Chuck só parou porque foi forçado. A maioria se aposentará com derrotas, só parará quando o corpo ruir, lendas não tem bom senso. Se tivessem, não as seriam. Devemos ter um certo carinho quando caírem mais uma vez, um respeito por ainda tentarem fazer o que faziam tão bem e gostávamos, por lutarem apenas por paixão aonde tantos lutam apenas por grana. E quando vencerem, aplaudir. Como eu aplaudi essa vitória de Tito Ortiz como nunca o havia aplaudido. Seu último ato foi o maior, no final o vilão salvou o filho e tirou a máscara. Uma gota de colírio para quem vem assistindo o esporte de óculos escuros. O MMA venceu Ryan Bader nesse UFC 132.

Melvin Guillard VS Shane Roller

Os lutadores do peso leve deveriam se esconder nas trincheiras porque as mãos de Guillard estão zunindo em todas as direções. Um jovem lutador com experiência de veterano, Melvin poderia ter se entregue ao roteiro óbvio que a vida parecia ter lhe reservado. Menino pobre, problemas com bandidagem, prisões, drogas, família, chances e mais chances desperdiçadas. Quantas histórias assim começam e acabam todo dia e não são dignas de nenhuma tirinha de jornal de bairro. Quantos Tysons, Jordans, Andersons, Pelés acabaram na marginalidade por simples falta de perseverança? É verdade que alguns tem caminhos mais fáceis que outros, grande mentira é de que todos somos iguais. Para alguns a vida é mais fácil, fato, a questão é o que fazer com a sua se for difícil.

Guillard largou esse passado pra lá e se agarrou em um dos fiapos de oportunidade que ondulavam por perto, talvez o último, e se internou na academia de Greg Jackson. Lá, em segredo, foram maquinando, redesenhando peça por peça, projetando o design capaz de encaixar o máximo de bombas, dinamites, scuds, teleguiados, granadas e outras armas de destruição em seus dois braços de 39 cm de circunferência por 5% de gordura. Dois dos equipamentos com mais capacidade de devastação acoplados a um lutador sofrido, sedento, violento e que sabe bem como operá-los.

Guillard ainda vai fazer muito mais do que já fez e Shane Roller vai continuar funcionando como bateria para boas lutas com sua entrega total ao combate, mas lhe faltará sempre o talento que separa os relevantes dos secundários.

Carlos Condit VS Dong Hyun Kim

Tantos grandes lutadores rapidamente começam a respingar derrotas em seu cartel e tantos outros medianos se mantém durante tanto tempo sem derrotas. Kim está longe de ser um mal lutador, porém mais distante ainda de ser o excelente atleta que seu cartel impecável denota. Condit carimbou com o joelho no meio da cara do koreano um ponto final nessa história cheia de meias verdades.

Condit estaria invicto desde 2006 com 13 vitórias seguidas não fosse a derrota extremamente controversa para Kampmann, que adora esquecer dessa luta quando faz discurso sobre ser sempre prejudicado pela arbitragem. Condit é um dos lutadores mais completos e empolgantes do planeta, ficou órfão de notoriedade quando a categoria aonde barbarizava foi extinta do antigo WEC. Um legítimo desafiante ao título que a máquina do UFC esqueceu de divulgar. Tantas bijuterias em caixa de jóia e as lutas de Condit passando despercebidas como diamante em saco de supermercado.

Kim fará algumas lutas duras no UFC mas acabará por ser cortado por falta de carisma e vitórias sobre adversários relevantes. Condit deverá dar trabalho para o vencedor de Pierre e Diaz.

Rafael dos Anjos VS Georges Sotiropoulos

Independente do vencedor não é um bom sinal quando dois dos maiores lutadores de chão do MMA transformam o que era para ser um épico na lona, numa competição de kickboxe. Dois mestres de jiu-jitsu partindo para a trocação até que ?bingo?, um caiu e o outro venceu. Vitória do brasileiro, mas se fosse o oposto, ninguém reclamaria. Também, reclamar do que? Parece que lutadores de solo quando se encaram tentam fazer lutas ao redor dessa técnica, lembrem de Maia e Grove, Minotauro e Mir. Quase que se uma derrota em sua especialidade traumatizasse de tal maneira a progressão de carreira e marketing pessoal que optam por se encarar em campo neutro. Os dois com menos qualidade, menos chances reais de vencer por técnica aplicada com perfeição, mas uma paz armada num resultado estéril.

Rafael venceu, mas não subiu muito e Sotiropoulos perdeu e não caiu quase nada. Agora é torcer para os dois se encararem em Abu Dabi.

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